sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A Eleição e os “Católicos de Verdade”


Carta aos Irmãos

Meu nome é Alexandre Santos, sou jornalista, católico.

Penso que os padres, bispos, pessoalmente, podem ter preferência por um
candidato. Isso é legítimo e faz parte do direito, que todo cidadão tem, de
ter opinião sobre qualquer tema. Porém, acredito ser antiético usar o
púlpito (leia-se sua posição sagrada de pastor que prega a Verdade) para
manifestar apoio ou mesmo tentar "orientar" (leia-se coagir) o voto dos
fiéis de acordo com sua preferência.
Acho que qualquer pessoa que carregue a credibilidade da Igreja nas costas
(e isso serve para os pregadores leigos também) deve ajudar a educar as
pessoas para o voto consciente. E isso passa justamente por levar as pessoas
a refletir sobre princípios diversos, não apenas sobre um princ ípio ou sobre
nomes.
Acredito que não se deve usar o poder religioso ou a prerrogativa de
apóstolo do Cristo (Caminho, Verdade e Vida) para tentar fazer valer sua
visão política. Acho que política deve ser tratada com política.
Se o padre quer ajudar a educar para o voto consciente, que faça isso em
local adequado e com argumentos políticos, debatendo (e não impondo)
honestamente com os fiéis as propostas dos candidatos. E debater significa
necessariamente abrir espaço para o contraditório. Imagine reuniões
paroquiais para estudar e discutir as implicações dos planos de governo dos
principais candidatos. Isso sim seria, na minha opinião, uma bela
contribuição das igrejas para o amadurecimento da democracia.

Mandar carta, spam e vídeo, apelando aos fiéis para NÃO votar em A ou B, na
minha opinião, não ajuda a educar. Di zer em quem não votar significa dizer
em quem votar. Na verdade, isso deseduca, pois o povo já estava acostumado a
votar em quem o patrão ou o sinhôzinho mandasse. Era o voto de cabresto. Na
ocasião, usava-se a força monetária para induzir as pessoas a votar no
candidato X.
Na minha opinião, essa atitude do Regional Sul 1 remonta o voto de cabresto.
Se não pelo poder financeiro, pelo poder do discurso religioso, colocando os
fiéis contra a parede. Há quem diga que a Igreja tem que fazer isso. Eu,
humilde e respeitosamente, discordo.
Perceba a situação a que as pessoas foram expostas: Imagine que um
trabalhador viu sua vida melhorar nesses últimos anos, conseguiu emprego,
viu seu salário com um pouco mais de poder de compra e, enfim, por qualquer
motivo que seja, gostou do governo Lula. (Nesse sentido, estamos falando de
cerca de 80% da populaçã o, de todos os credos, níveis sociais e de
escolaridade, segundo as pesquisas). Ao mesmo tempo, ele é católico, contra
o aborto, e o Bispo disse a ele que quem é católico de verdade NÃO PODE
votar na candidata do governo. Como que fica a cabeça e o coração desse
homem?

Houve padres e leigos que chegaram sugerir que quem votasse no PT seria
automaticamente excomungado, porque estaria ajudando a aprovar o aborto.
Para isso usaram texto do Código de Direito Canônico, que prevê que quem
contribui para a prática do aborto carrega essa pena automática junto com
quem a praticou.
Com todo respeito, isso é absurdo! Na minha opinião, não deixa de ser uma
espécie de chantagem. Isso é distorcer verdades e usar a doutrina católica
para favorecer preferências políticas pessoais. Não duvido da boa intenção
dos bispos do Sul 1. Mas acho que essa estrat égia de convencimento está
errada.
Alguém pode dizer: “isso é coisa de gente exagerada! Claro que ninguém vai
ser excomungado”. É, realmente. Mas a maneira maniqueísta como estão
tratando essa questão leva a essas interpretações. E verdadeiramente,
quando, com uma autoridade sacerdotal, se diz a uma pessoa que, caso ela
vote em determinado candidato, deixará de ser considerada como
verdadeiramente católica, mesmo que não haja a excomunhão oficial, está-se
criando nas pessoas um sentimento de excomunhão. É uma pena que as pessoas
tenham sido submetidas a isso. Na minha opinião, atenta contra a democracia.

Eu sou veementemente contra o aborto. Logo, concordo com a luta e com a
bandeira. Mas discordo das "armas" que estão sendo usadas. O modo como as
coisas estão sendo tratadas nessas eleições não é correto. O aborto é um
tema importa ntíssimo, mas não é o único. Estão tratando a eleição
presidencial como se estivéssemos num plebiscito sobre o aborto: “Vote em A
e aprove o aborto, vote em B e evite o aborto”.

O pior é que isso é uma afirmação falsa. O voto que você dá hoje, em quem
quer que seja, não tem o poder de evitar a legalização do aborto. A
discussão está posta. Mesmo que o governo não tome a iniciativa de propor o
tema, os parlamentares, pressionados por diversos setores da sociedade, irão
propor um projeto de lei. O que vai decidir mesmo sobre isso é a pressão da
opinião pública, contra ou a favor. E aí entra a nossa luta. Ir às ruas,
mostrar a mobilização não só do povo católico, mas de todos que são contra o
aborto. Isso é o que vai fazer os parlamentares votarem contra.

Tenho dito que, quem quer que seja eleito, teremos que continuar lutando
contr a o aborto. Isso porque todos os candidatos vêem o tema como uma
questão de saúde pública.

Vale lembrar que o Brasil já tem uma legislação que descriminaliza o aborto
nos casos de estupro e risco da mãe. E que essa lei e todas as normatizações
dela foram assinadas e apoiadas pelo PSDB, quando o candidato Serra era
ministro da saúde. Divulguei isso, mostrando o documento assinado por ele,
outro dia no twitter, mas não vi nenhum "católico de verdade" divulgando.
Deve ser porque a verdade só é bem vinda quando corrobora nosso pensamento
prévio.

O Plano Nacional dos Direitos Humanos II (PNDH 2), feito em 2001, no governo
Fernando Henrique Cardoso, na página 16, defende a ampliação da legalização
do aborto:

“179. Apoiar a alteração dos dispositivos do Código Penal referentes ao
estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, atentado
ao pudor mediante fraude e o alargamento dos permissivos para a prática do
aborto legal, em conformidade com os compromissos assumidos pelo Estado
brasileiro no marco da Plataforma de Ação de Pequim.”

A tal Plataforma de Ação de Pequim se refere a um tratado internacional de
garantia dos direitos das mulheres, firmado pelo Estado Brasileiro, sob o
governo FHC, e vários outros países.


O PNDH 2 também já falava sobre outros assuntos sobre os quais a Igreja
discorda:

·      Regulamentação da Prostituição (pág. 16):

“183. Apoiar programas voltados para a defesa dos direitos de profissionais
do sexo”;

Casamento Gay e mudança de sexo (pág. 12)

“115. Apoiar a regulamentação da parceria civil registrada entre pessoas do
mesmo sexo e a regulamentação da lei de redes ignação de sexo e mudança de
registro civil para transexuais”.


Esses são só alguns exemplos.

O fato é que, dos 4 principais candidatos à presidência, José Serra é o
único que já assinou uma norma e uma ordem abortistas oficiais no Brasil.
Você pode ler a norma aqui:

http://www.cfemea.org.br/pdf/normatecnicams.pdf. 

                                          

Não divulgo isso para que as pessoas deixem de votar no Serra. Quem acha que
ele é o melhor candidato deve seguir sua percepção. A intenção é mostrar
que, se formos usar o aborto como único critério de escolha, teremos que
votar nulo.

Espalhar a informação de que Serra é contra o aborto é mentira. É mentira
também afirmar que, votando em Dilma, a pessoa está automaticamente
aprovando o aborto e, votando em Serra, o eleitor está automaticamente
evitando o aborto.

Criar essa mentalidade nas pessoas é perigoso por dois motivos: primeiro
porque as pessoas, elegendo o Serra, podem relaxar e achar que não vão
precisar mais lutar contra o aborto. Segundo porque, mesmo não sendo a voz
oficial da Igreja, essas pessoas estão empenhando o nome da Igreja numa
candidatura. Se Serra vencer e a legalização do aborto for aprovada, a conta
vai ser debitada da Igreja Católica, mesmo não tendo ela manifestado apoio
oficialmente.
Isso porque muito católicos estão usando a "orientação" do Regional Sul 1
como se fosse a posição oficial da Igreja. O que não é verdade. A orientação
oficial da CNBB não cita partidos nem candidatos e n ão apresenta o aborto
como único critério. O documento cita diversos princípios como reflexão. É a
sabedoria da Igreja.

É faltar com a verdade apresentar o posicionamento do Regional Sul 1 como se
fosse a opinião oficial da CNBB, valendo-se provavelmente de uma mentalidade
que diz que os fins justificam os meios. Desse procedimento eu discordo.

Porém, essas mesmas pessoas que usam o apelo do Sul 1 para bater no peito e
invocar a "vontade" da Igreja não divulgam a verdadeira posição oficial da
CNBB. Ou seja, só citam o que se conforma com o que pensam. Se discorda, não
interessa mais, mesmo sendo a voz oficial da Igreja.

Outro dia, muitos desses "católicos de verdade" estavam dizendo que a CNBB
estava cheia de comunistas por causa da posição dos bispos em relação à
consulta popular sobre a Limitação da Propriedade da Terra. Ou seja, quando
a CNBB fala algo que eles não concordam, ela deixa de ser a "voz da Igreja"
rapidinho. Isso, na minha opinião, não é honesto.

Ao longo desse processo eleitoral, vi muitos católicos espalhando notícias
distorcidas, anônimas, com informações nebulosas sobre a vida pessoal da
candidata do PT. Vi católicos chamando-a de safada, assassina, terrorista,
entre outras coisas mais terríveis ainda. O Cristo nos ensina a não julgar
para não sermos julgados, não condenar para não sermos condenados. Há quem
diga que os cristãos, em tempo de política, esquecem do Evangelho. Eu sempre
rebati essa afirmação que me faziam, mas hoje começo a achar que é verdade.
Mas como são “católicos de verdade”, não tem problema, é só se confessar e
seguir como bons cristãos, não é? É. Até que venha a próxima eleição.

Eu particularmente escrevi e c ritiquei bastante o candidato Serra ao longo
da campanha. Quem me segue no twitter, sabe. Mas em nenhum momento ataquei a
vida pessoal dele. Minhas críticas são à qualidade do governo dele e do PSDB
nesses 16 anos à frente do Estado de São Paulo. Critiquei o fato de ele
prometer coisas que não fez no seu governo.

Ora, governar um Estado é bem menos complexo do que um país. Logo, ele
promete valorização do professor, mas a realidade da classe do Estado é
terrível. Ele fala de melhorar a Educação, mas as apostilas que substituíram
os livros nas escolas estaduais são um horror. Além de que a progressão
continuada, mal utilizada, só tem servido para aprovar os alunos e diminuir
os índices de repetência do Estado (que era um dos maiores do país), e não
para melhorar o nível do ensino.

Eu critico um candidato que chegou à reta final do 1º turno se m ter um plano
de governo oficial. O que ele registrou no TSE foi o texto do discurso que
fez no dia do lançamento da campanha. Pode pesquisar. Inclusive, em sua
entrevista no Bom Dia Brasil, uma semana antes das eleições, foi questionado
sobre isso e disse que o partido ainda estava terminando de escrever o plano
e que veio lendo, ao longo da viagem.

Eu acredito que mais perigoso do que um plano de governo que tem pontos dos
quais discordamos é um candidato sem plano de governo definido. A Dilma e a
Marina registraram plano de governo oficial no TSE. Isso significa dar a
cara à tapa, mostrar o que pretende, correndo o risco até de perder simpatia
e votos de determinados setores da sociedade. Já o candidato que não
apresenta plano de governo vem para a campanha para variar de discurso ao
sabor dos ventos.

E a campanha de José Serra foi justamen te isso. Começou tentando se colocar
como candidato do Lula, numa clara tentativa de confundir os eleitores que
ainda não conheciam a candidata do presidente. Depois começou, como bem
disse a Marina, o “promessômetro”: em visita à APAE, promete o Ministério
dos Deficientes; visitando os Militares, promete não mexer nos arquivos da
ditadura; falando com católicos, se diz católico praticante; visitando uma
feira evangélica, não fala mais que é católico, diz que é cristão. Diante do
sistema de valorização do Salário Minímo, que vem concedendo aumento real,
ano após ano, resolve prometer R$ 600,00 já em janeiro (sem apresentar
fundamento nenhum, só diz que fez as contas).


Bom, essas são só algumas das críticas que tenho feito a ele. Motivos pelos
quais o considerei o pior dos 4 principais candidatos no primeiro turno.
Nenhuma diz respeito à sua vida p essoal.

Aliás, a única vez que falei da vida pessoal dele, não foi para criticá-lo,
mas para criticar os que estavam demonizando o PT por ser de esquerda. Disse
que José Serra veio da mesma esquerda. Ele faz parte daquela juventude de
68, que a extrema direita detesta. Ele foi presidente da UNE durante a
ditadura, ajudou a fundar movimentos que também tinham uma mentalidade
voltada para a luta armada. Mas isso não quer dizer que ele tenha pego em
armas. Logo, apontar apenas para um lado é injusto.

Sou católico, contra o aborto, busco viver os sacramentos e respeitar o que
a IGREJA diz. Porém, acho que os fins não justificam os meios. Usar de
chantagem, coação, meias verdades para alcançar o objetivo, por mais nobre
que seja, na minha opinião, não é correto.

Tenho críticas ao governo Lula (especialmente no que se refere a reformas
importantes, como Tributária e Política, e por não ter visto avanços
significativos no que diz respeito à saúde), mas sinceramente não acho que o
governo Lula tenha sido ruim. Ao contrário, faço parte da porcentagem que o
aprova. Por conta disso, não vejo perplexidade nenhuma em pessoas de todas
as religiões, classes sociais, níveis de instrução, desejarem a continuidade
de um governo que lhes abriu portas. O que há de mal nisso? Não têm direito?
Denúncias de escândalo aconteceram em todos os governos e continuarão
acontecendo. Porque denúncia não é condenação, é denúncia, precisa ser
investigada e, se comprovada, levar os culpados a uma punição.

Respeito quem pensa diferente de mim, mas espero também que respeitem o que
penso e como penso. Gostar ou não, votar ou não em quem quer se seja é uma
questão minha, de consciência, de escolha. Ninguém tem o direito de
constranger o livre pensar e sentir das pessoas. Pode-se até não ser eleitor
da Dilma ou do Serra, ou até não gostar deles, é direito de cada um. Mas
defendo o direito que as pessoas têm de escolher livremente em quem votar e
de votar em qualquer um deles, se quiserem.


Na minha opinião, todos têm o direito de pensar, fazer suas contas e tomar
sua própria conclusão. Cada pessoa tem o direito de votar em quem quiser,
sem que por isso seja ameaçado de excomunhão.


Alexandre Santos

Nenhum comentário:

Postar um comentário